3 de set. de 2010

Roteiro

O primeiro mapa abaixo, em foto de satélite, mostra o roteiro da minha viagem. A linha amarela indica o trecho pedalado e a linha vermelha indica o trecho que eu percorri de trem/ônibus.


Esse segundo mapa dá uma ideia melhor do terreno, especialmente na região dos Alpes entre a Suíça e a Áustria. A parte mais escura é mais montanhosa, acidentada, e a parte mais clara é mais plana.

O tempo total da viagem foi de 90 dias, sendo que pedalei 50 dias, intercalando 3 dias de pedal pra um dia de descanso, em média. O trecho total pedalado (amarelo) foi de 3731km. Dormi em 53 cidades diferentes e, durante o trajeto, passei por mais de 300.

16 de ago. de 2010

Resumo

Estou de volta ao Brasil, depois de 3 meses de uma viagem que não vou esquecer tão cedo.

Ainda estou me readaptando à vida aqui, que era bem diferente da rotina que eu tive durante a viagem. Com a cabeça limpa e as ideias renovadas, tenho agora uma chance rara de criar novos e melhores hábitos, aproveitar melhor meu tempo, especialmente perto das pessoas importantes pra mim. A solidão que senti na viagem não foi tão ruim porque foi voluntária. Eu quis ir sozinho, passar por tudo o que eu passei sozinho. Testei minha paciência comigo mesmo e me suportei bem. Me conheço melhor hoje.

Em 90 dias na Europa, pedalei 3.731km. Passei por 11 países. Minha bike pesava 35 kilos, que se tornaram suportáveis depois dos primeiros dias e leves depois do primeiro mês. Mas, ainda assim, só eu sei o quanto era pesada e quanto esforço eu fiz pra carregar minha "casa" durante esse tempo todo.

Vi todo tipo de paisagem. Montanhas com neve, vales, lagos, cânions, planícies, morros, cachoeiras, mares. Vi plantações, moinhos de vento, pontes, túneis, igrejas, castelos e as onipresentes ruínas do império romano. Tirei 3.900 fotos, fiz mais de 100 vídeos curtos. Podia ter tirado mais de 20.000 fotos e ainda não ia ser capaz de registrar tudo o que eu vi. Nenhuma foto substitui a experiência real.

No dia mais longo, pedalei 160km. No mais curto, com muito esforço, pedalei 14km. A distância não diz muita coisa quando você está sujeito a tanta variáveis. Pedalei com sol e chuva, com vento, com frio, com neve. Com vento, frio, garoa e neve ao mesmo tempo. Pedalei com -5 a +40 graus. Senti frio como nunca tinha sentido antes. Senti também o vento na cara e pedalei sem as mãos, olhando o céu azul acima. Acima de tudo, senti liberdade.

Passei por tudo quanto é tipo de estrada. Asfalto bom e ruim, terra, pedra, paralelepípedo, grama, lama. Pedalei tirando fina de caminhão mas tive a estrada só pra mim na maioria das vezes. Dava pra deitar no meio, como já tinha feito um dia na Patagônia.

Andei por planícies de 100km em linha reta, sem uma subida nem descida. Cruzei os Alpes, venci muitas e quase fui vencido por poucas montanhas. Alcancei 5 passos: Simplonpass (2005m) e San Bernardino (2065m) na Suíça; Gerlospass (1628m), Felbertauerntunnel (1632m) e Wurzenpass (1073m) na Áustria. Meu corpo foi muito mais capaz do que eu imaginava. Não empurrei a bike um dia que fosse. Subi fazendo muita força pra andar a 4km/h, mas subi. Desci - sem pedalar - à 73km/h.

Nunca ouvi tanta música na minha vida. O iPod foi a melhor coisa que eu carreguei na bagagem depois do protetor de ouvido. E descobri que ninguém faz música melhor que o Sigur Rós. U2, Arcade Fire, Belle and Sebastian e Trashcan Sinatras vieram num distante segundo lugar.

Em cima da bike, comi como devia comer. Frutas, chocolate, carbo e água o tempo todo. Fora da bike, comi porcaria na maior parte do tempo, sem arrependimento. Mesmo assim, emagreci. O gasto calórico é tanto que seu corpo aprende a absorver o que for. Sinto meu corpo mais resistente e vou tentar manter ele assim daqui pra frente.

Considerando tudo o que podia acontecer de imprevisto, não pude ter tido mais sorte. Peguei tempo bom em uns 70 dos 90 dias. Não tive nenhum pneu furado em 3700km. Antes de viajar, furei esse mesmo pneu 50 metros depois de sair de casa. Não levei nenhum tombo. Não tive um resfriado, alergia, picada, problema muscular, nada. Não fui assaltado e nem cheguei perto de ser, eu acho. Não tive problema nas fronteiras nem com a língua.

Conheci mais gente do que podia imaginar, de tudo que é lugar do mundo. Da Costa Rica à Lituânia, da Bielorússia ao Burundi, da Austrália ao Iran. Fui tratado muito bem por quase todo mundo, como se eu fosse um amigo de infância. No começo, fui idiota em me surpreender com isso. Descobri que existe muito mais pessoas boas no mundo do que me parecia. De graça, me deram informação, manutenção na bike, acomodação, comida, água e roupa lavada - e passada. Obrigado à Julie em Auxerre, Silvie em Bern, Constant em Besançon, Hanspeter e Rita no Simplonpass, Eduardo e Christian em San Bernardino, Nóra em Egararacsa, Deborah em Neuchatel, Veronika em Jönköping, Karolina, Mariann e John em Székesfehérvár, Tania em Copenhagen, Andreas em Dresden, Eva e Lučka em Laško, Wesley e Cristina em Örebro, Saša, Nina e Marija em Begunje, Antonia em Budapest, Thiago, meu "brothérr" em Stockholm e Pete, Jorge e Florian pela companhia providencial em Oslo. Faço questão de lembrar de todos vocês e espero um dia poder retribuir. Me deram atenção, amizade e o precioso tempo das suas vidas sem pedirem absolutamente nada em troca. O mundo parece um lugar melhor agora.

Obrigado também a todo mundo que me mandou mensagens de apoio pelo blog, skype, msn e email. Tanto de gente que eu não conheço como de gente que eu não esperava, além de amigos e familiares. Vocês não sabem o quanto esse gesto me fez bem.

Planejar a viagem a um ano atrás até o dia da volta na semana passada exigiu de mim
muita disposição e energia. Organizei meu tempo, treinei, guardei dinheiro e fui. Olhando pra trás, agora tudo parece ter sido fácil. Mas deu trabalho pra caramba, foi cansativo. Algumas vezes perdi a paciência, o humor e o ânimo, mas recuperei tudo isso depois.

Um dos caras em que eu me inspirei pra fazer essa viagem foi o Amyr Klink. Existe um trecho de um livro dele que eu já gostava muito e agora faz muito mais sentido:


"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver."


Viajem!

4 de ago. de 2010

03/08 Kongsvinger a Oslo - 112km

3731Km e 84 dias depois de começar a viagem (49 pedalados), cheguei em Oslo, finalmente! A sensação de chegar aqui foi indescritível, parece até que o cansaço ficou de lado, ehehehh... A viagem de hoje podia ter sido mais fácil não fosse uma subida faltando uns 10km pra Oslo. O tempo até que ajudou, ficou nublado sem muito frio nem calor.

A chegada, como em toda cidade grande, não é lá muito agradável pelas rodovias, avenidas e trânsito mas até que foi tranquila. Fui direto ao albergue no centro, onde vou ficar 2 noites. Agora quero relaxar e curtir a pausa final. Vou ficar aqui até dia 10, quando volto pro Brasil. Nos próximos dias vou postar as fotos de Oslo e alguns novos filmes que ainda vou editar.



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2 de ago. de 2010

02/08 Arvika a Kongsvinger - 84km

Enrolei um pouco pra sair hoje por causa da preguiça costumeira que dá quando você para por mais de um dia num lugar. Peguei a estrada 61, o único caminho possível pra Oslo em que eu posso pedalar. Depois de uns 40km de viagem tranquila, cheguei em Charlottenberg, a última cidade sueca antes da fronteira com a Noruega. Parei lá pra comer e segui viagem e uns 10km depois eu estava cruzando a fronteira. Dessa vez a emoção foi zero, ahahhh. Como a Noruega não faz parte da comunidade europeia, imaginei que iria haver algum tipo de fiscalização de passaporte e tal mas no fim não havia nem um posto norueguês na fronteira nem placa dizendo que eu tinha entrado na Noruega. Quando eu vi já tava lá e um abraço, rsrsrs A primeira diferença que deu pra notar foi a da sinalização na estrada. A língua continua quase a mesma coisa, inintelegível do mesmo jeito que o sueco ou o dinamarquês. Pedalei até Eidskog, onde tinha imaginado ficar uma noite antes de ir pra Oslo. Fui até o centro da cidade e não achei um escritório de turismo nem nada. Entrei numa delegacia pra perguntar onde ficava e o policial, muito atencioso, me disse que não havia nenhum hotel em Eidskog. As opções mais próximas de hospedagem seriam em campings, um que ficava a 20km antes e outro que ficava a 30km depois de Eiskog. O policial riu enquanto me falava isso, como se tivesse rindo do tamanho da própria cidade. Estranhei um pouco isso já que eu passei em muita cidade pequena durante a viagem e em todas havia algum hotel, b&b, private room, hostel, sei lá. Alguma coisa sempre tem, mesmo em cidades de 100 habitantes. Eidskog devia ter uns 4.000, por aí. Ou, sei lá, vai ver a Noruega é diferente da Suécia e dos outros países nesse aspecto.

Não demorei muito pra perceber que sim, a Noruega é diferente. Depois de Eiskog, a próxima "grande" cidade era Kongsvinger e foi pra lá que fui. Como fica no caminho de Oslo mesmo, já adiantei um pouco mais a distância pro fim da viagem. Procurei, como sempre, o escritório de turismo e a moça que me atendeu disse que só havia um hotel e um motel na cidade, sendo que o motel - a opção mais barata - custava 890 coroas norueguesas uma noite. Isso significa mais de 95 euros, quase não acreditei. Em Oslo, que é a capital, já fiz a reserva do hostel e vou pagar 250 coroas por noite então não fazia sentido um motel qualquer numa cidade sem nenhum atrativo turístico cobrar tão caro por uma noite. Perguntei se havia alguma outra opção na região e ela me disse que só em campings, todos distantes daqui uns 40km. Por falta de opção, decidi ficar mas pedi pra ela que visse o preço no hotel também, só pra saber quão mais caro seria. Contei pra ela sobre o preço do hostel de Oslo e ela se desculpou e criticou os donos dos hoteis daqui, dizendo que eles cobram esse preço porque sabem que não tem concorrência na cidade. No fim, ela negociou com o pessoal do hotel e consegui uma noite por uma facada de 75 euros, com café da manhã incluso. Fui fazer compras no Coop porque a comida aqui na Noruega também é bem mais cara que na Suécia (que já é cara). Pra você ter uma ideia, o pessoal da Noruega costuma vir de carro pra Suécia pra fazer compras porque vale a pena pela economia. E não falo de compra de eletrônicos ou coisas de alto valor, mas de comida e itens de supermercado mesmo. Sei lá com base em qual critério mas dizem que a Noruega é, no geral, o país mais caro do mundo. O lado bom é que pelo menos vou emagrecer por aqui. Oslo amanhã? Será?


Não parece mas aqui já é na Noruega


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01/08 Arvika

Com o preço bom do quarto e com a chuva que caiu logo cedo, decidi ficar mais um dia aqui. Saí de manhã a procura de um lugar pra tomar um café e comer alguma coisa e não encontrei absolutamente nada aberto. Tudo bem, é um domingo, mas as pessoas comem aos domingos também, não? Tudo fechado, qualquer restaurante, bar, supermercado, farmácia, escritório de turismo, tudo. Fui até na estação de trem pra ver se tinha uma máquina automática de café (que você paga com moedas) e também estava fechado. E isso era às 10h30 da manhã, quando supostamente esses lugares já deveriam estar abertos. Voltei pra casa e esperei dar meio dia, que era o horário que a maioria das coisas que funcionam no domingo estariam abrindo as portas. Achei um restaurante e comi um kebab muito bom, mas acho que era porque a fome era demais. Depois peguei a bike e fui no Coop perto da saída da cidade e comprei umas porcarias pra me virar no resto do dia. No fim da tarde fui até a beira do lago pra ver o "movimento" da cidade e tirar umas fotos.

31/07 Karlstad a Arvika - 76km

Depois de hibernar por 3 dias, finalmente voltei a pedalar. A viagem foi bem tranquila, a estrada estava praticamente sem trânsito e é bem deserta. Quase não existe posto ou mercado ou ponto de parada. O trajeto é cheio de altos e baixos mas nada que assustasse e, com o clima fresco e sem chuva, a pedalada foi bem agradável.

Procurei o centro de informações turísticas em Arvika e consegui um private room por um preço bom. A cidade é bem pequena mas aconchegante. Pelo o que eu percebi, Arvika é um destino turístico pouco conhecido mas tem vários parques e lagos nos arredores, onde me disseram que dá pra ver vida selvagem, ursos, alces e etc. E é isso que atrai gente pra lá. É lá também que acontece um festival de música bem conhecido na Suécia, que costuma trazer bandas estrangeiras. Não chega a ser um Reading, Coachella ou Glastonburry, mas pelo o que eu li é bem interessante.



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30/07 Karlstad

Acordei com chuva de novo, igual ontem e de cara desisti de pedalar hoje de novo, até porque estou um pouco adiantado no roteiro. Tentei fazer hoje a mesma coisa que fiz ontem em Karlstad e a chuva caiu no mesmo horário que eu fui andar pelo centro, ahahahah... Voltei quase ensopado de novo, mas pelo menos fiz uma compra no Coop e passei o resto do dia no albergue. O ruim desse albergue é que não tem nada pra fazer nele. A única distração que eu tive foi a internet, de graça, e aproveitei pra editar uns vídeos da viagem e publicar aqui no blog.

As fotos foram tiradas quando eu estava indo pro centro. Um instante depois começou a chuva e eu desisti de tirar outras. O engraçado é que Karlstad é conhecida como a "cidade do Sol" porque - dizem os locais - é sempre ensolarada. Até o símbolo da cidade é um sol e está em todos os folders e cartazes pela cidade. Se na cidade do sol choveu e fez frio por 3 dias seguidos, fico imaginando como deve ser o clima da cidade da chuva. Ou vai ver fui eu que tive azar com o tempo mesmo. Mas não posso reclamar, o clima na Suécia durante minha passagem por aqui foi 90% de sol forte e calor.